Coleção: |A aranha, a pedra e o baobá|

A primeira vez que senti uma árvore a chamar-me foi em Cabaceira Grande, perto da Ilha de Moçambique. Era um baobá gigante com pele de elefante e galhos que se estendiam como dedos contra o céu azul. Eu tinha 25 anos e sonhava em mudar o mundo.

Hesitei por um momento antes de me aproximar. Então, estendi a mão e toquei o tronco áspero da árvore. Naquele momento senti o pulsar da Vida em mim. Eu me conectei a uma Existência maior, uma existência que não é minha nem sua. É nosso.

O que eu não sabia era que esta seria apenas a primeira de inúmeras experiências de conexão com a Terra. O que eu não sabia é que não seria eu quem mudaria o mundo. Seria o mundo me mudando.

Hoje converso com pedras, plantas e insetos. Eu examino seus silêncios e lhes digo

meus segredos. Com eles aprendo sobre mim e o mundo. Poderia contar-vos sobre a pedra do Chile que me revelou a imagem de Nossa Senhora. Ou contar sobre o bebê aranha que caiu no meu colo e sorriu para mim. Mas não cabe aqui.

Sou a herdeira da aranha, da pedra e do baobá. Meu cabelo voa ao vento como galhos, meu corpo em forma de tronco resiste às tempestades, minhas raízes penetram profundamente no solo. Eu teço a vida ao meu redor e me deixo amolecer pela água. 

Texto de Cristiana Pereira, Desenho de Patricia Azevedo e Patricia M. Tradução Isabel Madeira